A autobiografia já é uma realidade frequente na literatura contemporânea. Mas qual a fronteira entre ela e o romance? Em “A Estrangeira” não há fronteira: ambos entrelaçam-se através de um diário sentimental, um puzzle de memórias que pode começar a ser montado por qualquer canto. Para quem procura um romance linear clássico, não encontra aqui. O romance está presente, mas de uma maneira distinta – ele mora justamente dentro desse puzzle. Em “A Estrangeira”, a personagem principal vagueia pelo tempo – pelo seu próprio tempo. É uma espécie de autoficção movida pelo seu ressentimento, narrando assim, uma vida disfuncional romantizada. Mas há sim fronteiras no livro: obstáculos que fazem-na sentir-se estrangeira como extensão de quem ela é – filha de pais surdos que viveu sua infância entre o Brooklyn e uma pequena aldeia italiana e que nunca sentiu-se confortável em lado algum. Segundo a própria personagem, a autobiografia é a bastarda dos gêneros literários, é aquela que está à mão dos mais frágeis. Mas de frágil o livro não tem nada. É uma obra complexa, que apresenta personagens ambíguos em um mundo caótico, no qual uma mulher luta pelo seu lugar.