Começamos de cara com uma sex tape que nada esconde. Invadimos a intimidade de um casal, uma situação constrangedora, alguns diriam: pornografia gratuita!
A sex tape acaba e agora estamos com a protagonista do vídeo e do filme. Emilia caminha pelas ruas de Bucareste e o que presenciamos durante sua caminhada e paragens até seu destino final, surge na tela como algo muito mais pornográfico que sua sex tape. Radu Jude, o realizador em questão, coloca-se sempre atento ao extra-campo na caminhada de Emilia. Ouvimos ruídos constantes, xingamentos, brigas de trânsito, presenciamos um atropelamento, outdoors gigantescos, muita propaganda, falta de empatia generalizada por aqueles que andam pela rua. Tudo muito feio, pois não há como negar: a vida em uma metrópole é feia, além de extremamente hostil e violenta, principalmente para uma protagonista mulher .
O cinema, inclusive o cinema indie, tem um certo maneirismo de através da linguagem, embelezar o feio presente no anfêmero da vida social. Radu Jude não está preocupado com tal fator, o mesmo propõe-se a filmar o feio de forma feia. Movimentos de câmera que seriam considerados mal realizados e o arbitrário encontrado através de sua realização, neste filme é usado para justamente causar algum tipo de desconforto ao espectador, para que ele de alguma forma perceba o quão opressora uma cidade pode ser.
Após a primeira parte de Bad Luck Banging or Loony Porn, reconhecendo a capacidade do espectador, é evidente que o mesmo já construiu uma montagem paralela internamente e apercebeu-se de que não havia nada de tão escandaloso na sex tape do início, comparado com este primeiro terço do filme. Quer dizer, quem mais tem claro isto em sua cabeça é Emilia, que após o vazamento do vídeo, preocupa-se somente em tentar manter o seu emprego como professora de história em uma escola primária.
É uma personagem que sabe o que quer desde o começo do filme e, em momento algum, questiona, julga ou reprime sua própria conduta. Ela é a força que o filme necessita para funcionar. Uma personagem que há muito não encontrava, principalmente em um filme que não segue nenhum tipo de manual estrutural.
Mas e a pandemia? Assistimos a todos a usar máscaras durante a película, Sabendo o repertório do realizador em questão, poderíamos deduzir que seria alguma espécie de estudo do impacto desta pandemia nas relações humanas através de uma comédia. Mas de certa forma não é isto que me parece. Com ou sem pandemia, creio que o filme seria quase o mesmo, exceto a excentricidade encontrada através do uso das máscaras, que chamam atenção pela sua própria imagem. À exceção disto, tudo já estava lá manifestado no entorno e a cada passo de nossa incansável protagonista.
Verdade seja dita, se tem algo que a pandemia conseguiu foi deixar mais feio, desigual e visível o que já estava estabelecido em determinados locais. Então sim, de certo modo, contribuiu para que o filme vigorasse.
No segundo terço de Bad Luck Banging or Loony Porn, Radu Jude quebra de vez com a estrutura que aparentava construir, e através de imagens de arquivo, faz um estudo etimológico, histórico e social de algumas palavras que são bastante presentes em nosso cotidiano. O mesmo passeia também por referências históricas romenas e expõe um pouco do complexo e contraditório que é o seu país, mas também no comportamento coletivo globalizado e sua evolução.
Poderia discorrer mais acerca desta segunda metade que prende-se à licença poética do autor em destrinchar signos de maneira bastante livre, mas creio que seria um desfavor à quem deseje presenciar à hipocrisia, violência, hostilidade, desprezo, e entre outras qualidades humanas, através de uma forma irônica e extremamente bem montada. Afinal, essas mesmas qualidades serão revistas através dos personagens no último bloco do filme.
Após este banho de imagens e textos, voltamos à acompanhar nossa protagonista, que chega finalmente ao seu destino. À reunião escolar convocada pela diretora da escola para se discutir quais providências serão tomadas em relação à Emilia, uma vez que alguns pais alegam que os filhos já tiveram contato com a sex-tape, e que a mesma pode causar um dano enorme ao desenvolvimento de suas pobres crianças.
Chega a vez do julgamento de Emi, em um cenário um tanto quanto distópico, onde luzes coloridas enfeitam um jardim com esculturas de o que aparenta ser figuras históricas romenas, surgem personagens como um general, um intelectual de esquerda, uma mulher inquisidora, um típico cafajeste, entre outros, que representam os pais dos alunos. Um destes faz questão de que se assista novamente à sex tape para que todos possam tirar conclusões.
Desta vez vemos o vídeo em um ipad, presenciando as reações dos presentes no local. Reisigificamos o vídeo e o impacto pornográfico do início do filme, é expresso nas reações. O que pensamos que não poderia piorar, piora com a atitude dos pais que questionam, julgam, condenam, reprimem e atacam nossa protagonista, assim como, ao longo da discussão moral que surge durante seu julgamento, gozam de todo tipo de minoria romena, principalmente mulheres, homossexuais e ciganos. E Emilia como se comporta? Impenetrável! Defende-se de forma implacável.
Por fim, o absurdo ganha palco no filme, mas um absurdo real, que escancara problemas estruturais de nossa sociedade patriarcal que oprimem esta, e centenas de milhares de mulheres todos os dias. No final, escolhemos em que acreditar, se o filme foi uma grande piada, se foi uma comédia realista, ou se apelamos aos super-heróis para estabelecer (esconder) a paz e normalidade novamente. Um filme que pode e deve ser lido através de várias camadas. Um atestado histórico da boçalidade humana e seus feitos. Bad Luck Banging or Loony Porn parece que mesmo sem querer, acaba tornando-se um grande filme. Um filme feio que expõe o mais feio de nós. Mas as vezes o Cinema precisa de um filme destes para acordar. Não é à toa que venceu o Urso de Ouro em Berlim.