Caso Summer Of Soul (…Ou, Quando A Revolução Não Pôde Ser Televisionada), documentário de Questlove, fosse apenas uma simples reprodução dos concertos do esquecido Festival Cultural do Harlem, o filme já teria estatuto suficiente para ser uma das grandes atrações deste IndieLisboa. Contudo, Questlove vai mais longe e concebe um filme que digamos que será no mínimo obrigatório ao se estudar a turbulenta década de sessenta e a contra-cultura norte americana.
Não sei se porventura seja uma coincidência da minha curadoria, já que fica evidente que encontramos aspectos em comum em relação aos filmes visionados até então pelo Cultura Caché, nesta edição do festival. A memória, os lugares e em alguns casos como este, a reconstrução histórica à partir de imagens recuperadas, parece-me algo que se partilha entre as obras.
Talvez estes filmes mostrem que muitas respostas para enfrentar o nosso conturbado presente residem neste passado, e ao resgatar e discutirmos estas imagens contrapondo perspectivas temporais, seja algo extremamente rico para o desenvolvimento de um cinema que dá sinais de que ainda pensa coletivamente.
Summer of Soul é o retrato e a personificação disto. Em um dado momento do documentário, presencia-se o relato de um rapaz que estava presente quando criança neste festival – que juntou o melhor da música negra dos anos sessenta, através de diferentes gêneros, do soul ao gospel, da música caribenha ao blues, e que teve artistas como Nina Simone, B. B. King, Stevie Wonder, Sly & the Family Stone e por aí vai…, – diz que sabia que está memória existia, mas não percebia se representava algo real, uma vez que o festival após sua realização, foi esquecido da memória coletiva, muito por conta de sua captação nunca ter sido divulgada em nenhum meio. Até agora.
Realizado no ano de 1969, no mesmo momento que Woodstock, ouso afirmar (depois da exibição do doc, é claro) que o mesmo, se tivesse a atribuição e reconhecimento histórico-social merecido na época, seria sem dúvidas, um evento mais importante e marcante para a evolução da música e cultura americana e o que se sabe e estuda sobre ela. Mas não foi. Assim como em diversos outros momentos, personagens e eventos foram excluídos da memória coletiva só por serem negros.
Assim como o rapaz do relato acima recuperou a sua memória e à ressignificou com a visualização das imagens do festival. Nós, espectadores, temos o dever de revisitar esta história e perceber por outras linhas um passado que teve um projeto de ser esquecido, para entendermos então que a luta de hoje continua por àqueles que outrora demonstraram resistência e esperança através da celebração cultural em um momento histórico tão caótico.
Descobrir as imagens do Festival Cultural do Harlem é recuperar um sonho de harmonia e liberdade ao mesmo tempo que faz justiça à história, que por vezes acaba por ser arbitrária. Principalmente em países tão racistas quanto os Estados Unidos. Descobrir as imagens do festival é recuperar a alma de um país e lutar para que ela não seja esquecida. Que este filme possa servir de exemplo de esperança para a América e muitos outros países que lutam pela mesma causa!